Via Viva Palestina
data de publicação: novembro 20, 2013
Em 1980, uma canção que escrevi, “Another Brick in
the Wall Part 2″, foi proibida pelo governo da África do Sul porque
estava a ser usada por crianças negras sul-africanas para reivindicar o
seu direito a uma educação igual. Esse governo de apartheid impôs um
bloqueio cultural, por assim dizer, sobre algumas canções, incluindo a
minha.
Vinte e cinco anos mais tarde, em 2005,
crianças palestinas que participavam num festival na Cisjordânia usaram a
canção para protestar contra o muro do apartheid israelita. Elas
cantavam: “Não precisamos da ocupação! Não precisamos do muro racista!”
Nessa altura, eu não tinha ainda visto com os meus olhos aquilo sobre o
que elas estavam a cantar.
Um ano mais tarde, em 2006, fui contratado para actuar em Telavive.
Palestinos
do movimento de boicote académico e cultural a Israel exortaram-me a
reconsiderar. Eu já me tinha manifestado contra o muro, mas não tinha a
certeza de que um boicote cultural fosse a via certa. Os defensores
palestinos de um boicote pediram-me que visitasse o território palestino
ocupado para ver o muro com os meus olhos antes de tomar uma decisão.
Eu concordei.
Sob a protecção das Nações Unidas,
visitei Jerusalém e Belém. Nada podia ter-me preparado para aquilo que
vi nesse dia. O muro é um edifício revoltante. Ele é policiado por
jovens soldados israelitas que me trataram, observador casual de um
outro mundo, com uma agressão cheia de desprezo. Se foi assim comigo, um
estrangeiro, imaginem o que deve ser com os palestinos, com os
subproletários, com os portadores de autorizações. Soube então que a
minha consciência não me permitiria afastar-me desse muro, do destino
dos palestinos que conheci, pessoas cujas vidas são esmagadas
diariamente de mil e uma maneiras pela ocupação de Israel. Em
solidariedade, e de alguma forma por impotência, escrevi no muro,
naquele dia: “Não precisamos do controle das ideias”.
Realizando
nesse momento que a minha presença num palco de Telavive iria legitimar
involuntariamente a opressão que eu estava a testemunhar, cancelei o
meu concerto no estádio de futebol de Telavive e mudei-o para Neve
Shalom, uma comunidade agrícola dedicada a criar pintainhos e também,
admiravelmente, à cooperação entre pessoas de crenças diferentes, onde
muçulmanos, cristãos e judeus vivem e trabalham lado a lado em harmonia.
Contra
todas as expectativas, ele tornou-se no maior evento musical da curta
história de Israel. 60.000 fãs lutaram contra engarrafamentos de
trânsito para assistir. Foi extraordinariamente comovente para mim e
para a minha banda e, no fim do concerto, fui levado a exortar os jovens
que ali estavam agrupados a exigirem ao seu governo que tentasse chegar
à paz com os seus vizinhos e que respeitasse os direitos civis dos
palestinos que vivem em Israel.
Infelizmente,
nos anos que se seguiram, o governo israelita não fez nenhuma tentativa
para implementar legislação que garanta aos árabes israelitas direitos
civis iguais aos que têm os judeus israelitas, e o muro cresceu,
inexoravelmente, anexando cada vez mais da faixa ocidental.
Aprendi
nesse dia de 2006 em Belém alguma coisa do que significa viver sob
ocupação, encarcerado por trás de um muro. Significa que um agricultor
palestino tem de ver oliveiras centenárias serem arrancadas. Significa
que um estudante palestino não pode ir para a escola porque o checkpoint
está fechado. Significa que uma mulher pode dar à luz num carro, porque
o soldado não a deixará passar até ao hospital que está a dez minutos
de estrada. Significa que um artista palestino não pode viajar ao
estrangeiro para exibir o seu trabalho ou para mostrar um filme num
festival internacional.
Para a população de
Gaza, fechada numa prisão virtual por trás do muro do bloqueio ilegal de
Israel, significa outra série de injustiças. Significa que as crianças
vão para a cama com fome, muitas delas malnutridas cronicamente.
Significa que pais e mães, impedidos de trabalhar numa economia
dizimada, não têm meios de sustentar as suas famílias. Significa que
estudantes universitários com bolsas para estudar no estrangeiro têm de
ver uma oportunidade escapar porque não são autorizados a viajar.
Na
minha opinião, o controle repugnante e draconiano que Israel exerce
sobre os palestinos de Gaza cercados e os palestinos da Cisjordânia
ocupada (incluindo Jerusalém oriental), assim como a sua negação dos
direitos dos refugiados de regressarem às suas casas em Israel, exige
que as pessoas com sentido de justiça em todo o mundo apoiem os
palestinos na sua resistência civil, não violenta.
Onde
os governos se recusam a atuar, as pessoas devem fazê-lo, com os meios
pacíficos que tiverem à sua disposição. Para alguns, isto significou
juntar-se à Marcha da Liberdade de Gaza; para outros, isto significou
juntar-se à flotilha humanitária que tentou levar até Gaza a muito
necessitada ajuda humanitária.
Para mim, isso
significa declarar a minha intenção de me manter solidário, não só com o
povo da Palestina, mas também com os muitos milhares de israelitas que
discordam das políticas racistas e coloniais dos seus governos,
juntando-me à campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS)
contra Israel, até que este satisfaça três direitos humanos básicos
exigidos na lei internacional.
1. Pondo fim à ocupação e à colonização de todas as terras árabes [ocupadas desde 1967] e desmantelando o muro;
2. Reconhecendo os direitos fundamentais dos cidadãos árabe-palestinos de Israel em plena igualdade; e
3.
Respeitando, protegendo e promovendo os direitos dos refugiados
palestinos de regressar às suas casas e propriedades como estipulado na
resolução 194 das NU.
A minha convicção nasceu
da ideia de que todas as pessoas merecem direitos humanos básicos. A
minha posição não é antisemita. Isto não é um ataque ao povo de Israel.
Isto é, no entanto, um apelo aos meus colegas da indústria da música e
também a artistas de outras áreas para que se juntem ao boicote
cultural.
Os artistas tiveram razão de
recusar-se a atuar na estação de Sun City, na África do Sul, até que o
apartheid caísse e que brancos e negros gozassem dos mesmos direitos. E
nós temos razão de recusar atuar em Israel até que venha o dia – e esse
dia virá seguramente – em que o muro da ocupação caia e os palestinos
vivam ao lado dos israelitas em paz, liberdade, justiça e dignidade, que
todos eles merecem.
Fonte: Gilson Sampaio
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