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domingo, 8 de dezembro de 2013

A incrível história do melhor amigo do papa






Por Marino Boeira


Na época da ditadura brasileira se dizia que a carreira dos militares tinha como posto mais alto a Presidência da República. Na Igreja Católica, a carreira eclesiástica termina com a chegada à condição de santo. Na última semana o Papa Francisco anunciou que em abril do próximo ano vai declarar santos dois dos seus antecessores: João XXIII e João Paulo II.

O primeiro já era considerado beato, um degrau menor na hierarquia celeste, enquanto o segundo vai bater um recorde na corrida para a santidade. Ele morreu em 2005 e será declarado santo mesmo sendo o autor reconhecido de apenas um milagre, quando as regras do Vaticano pedem no mínimo dois, graças a um “canetaço” do Papa Argentino, que dispensou o segundo milagre.

Na linguagem futebolística pode-se dizer que João Paulo II está ganhando a vaga no tapetão.

À Igreja Católica interessa sobremaneira a declaração de novos santos. Essa capilarização da santidade faz com que a sua imagem se propague pelo mundo inteiro sempre em busca de novos adeptos. A canonização de figuras expressivas como foi Karol Wojtyla, tanto do ponto de vista religioso, como político, vai se transformar numa festa tão grande como foi a coroação do Papa Francisco, com direito a generosos espaços na mídia do mundo inteiro.

Representantes das potências ocidentais certamente não faltarão a esta festa. Afinal, foi João Paulo II, quem no famoso discurso de junho de 1979, em Varsóvia, deu seu apoio a ação do Sindicato Solidariedade contra o Governo Polonês, iniciando o processo público de derrocada da unidade socialista no Leste Europeu.

Representantes das alas mais conservadoras da igreja também estarão presentes em Roma para agradecer o apoio que o Papa Polonês deu à luta que travaram contra suas alas mais progressistas, principalmente contra os bispos e padres adeptos da Teologia da Libertação, que João Paulo II combateu tenazmente pela suspeita de que o movimento, forte na América Latina, tivesse alguma proximidade com idéias marxistas.

A pergunta que fica é se o papa anterior, o renunciante Bento XVI, teria a mesma pressa em canonizar seu antecessor.

Antes de se tornar Papa, o Cardeal Joseph Ratizinger foi, durante muitos anos, o responsável pela Congregação para a Doutrina da Fé, a sucessora do temido Tribunal da Inquisição da Idade Média.

Todas as denúncias de pedofilia, principalmente dos padres americanos e irlandeses, que chegaram até ele, foram engavetadas, nos moldes do que se dizia, costumava fazer um ex-procurador da república no Brasil.

Um dos casos mais notórios foi o do reverendo Lawrence Murphy , de Milwaukee, Illinois, que teria molestado uma centenas de crianças de um orfanato para surdos. O caso mereceu destaque no New York Times, quando os advogados de John Doe, um dos garotos molestados, tentou entrar com uma ação criminal contra o Vaticano e o já Papa Bento XVI.

Parece que apenas um processo interessou particularmente ao cardeal Ratizinger, durante o período que comandou a Congregação para a Doutrina da Fé, o que envolvia o padre Marcial Maciel.

Nascido no México, Marcial Maciel Degollado, foi fundador dos Legionários de Cristo e do movimento Regnum Christi e teve durante sua existência, terminada em 2008, uma vida dupla. Foi criminalmente condenado nos Estados Unidos por pedofilia, era um consumidor de drogas e teve quatro filhos com várias mulheres, além de ter plagiado suas principais obras, inclusive o livro de cabeceira dos Legionários, o Saltério de Meus Dias. Mais do que isso: foi acusado também de envenenar seu tio-avô e protetor, o Bispo Guízar (Don Rafael Guizar Valência, bispo de Vera Cruz, México, 1878/1938), também declarado santo por Bento XVI em 2006.

A vida dupla de Marcial Maciel já era conhecida da igreja desde a década de 50, quando ele se tornou um protegido de Pio XII. Quando João Paulo II se tornou Papa, essa proteção ficou ainda maior, embora chegassem centenas de denúncias contra ele à mesa de trabalho do Papa. João Paulo II as desprezou. O padre Marcial Maciel era um de seus preferidos. Enchia praças e estádios de futebol nas viagens do líder católico pelo mundo, junto com outro movimento na moda, o Caminho Neocatecumenal, do espanhol Kiko Argüello.

Embora nascido no México, o padre Marcial Maciel criou seu “exército” de Legionários na Espanha, durante o governo franquista. Hoje, a sua principal base continua sendo a Espanha, onde a ordem conta com uma universidade, vários seminários e centenas de colégios entre outras propriedades.

Maciel não só teve aventuras amorosas, como em Madri vive uma filha sua, Norma Hilda, em um luxuoso apartamento da Calle de Los Madroños. Ela fez um pacto de silêncio com o Vaticano em troca de uma pensão vitalícia. Quem selou o acordo e cuidou de que a rocambolesca história acabasse aí, foi o então Secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, durante uma visita à Espanha. O dinheiro não foi obstáculo. Há décadas, que em ambientes hostis do Vaticano, o grupo de Maciel é conhecido com ironia, não como Legionários,mas sim como os Milionários de Cristo.

Coincidentemente ou não, em outubro último, o Cardeal Bertoni foi afastado do seu cargo de número 2 da Igreja Católica pelo Papa Francisco e saiu atirando, ao dizer que era vítima de uma conspiração de corvos e víboras que vivem no Vaticano.

A amizade de Marcial Maciel com João Paulo II parece ter sido a razão que impedia o cardeal Ratizinger de agir contra o padre pedófilo. Ele tinha entrada franca no Vaticano e sua intimidade com o Papa foi documentada por centenas de fotos. Quando João Paulo II morreu, Ratizinger se sentiu livre para agir e rapidamente ordenou a suspensão das atividades religiosas de Marcial Maciel, que morreria em 2008, sem uma condenação formal e pública de sua ação.

Será que se Bento XVI continuasse Papa, a canonização de João Paulo II seria tão rápida? Ou, o novo Papa imagina que estas histórias serão rapidamente esquecidas? Afinal, estão falando em canonizar Pio XII, esquecidos das suspeitas de simpatia que o então Cardeal Eugenio Pacelli parece ter nutrido pelos nazistas durante a guerra.

Ter sido Papa não é uma garantia de canonização. Dos 264 Papas que por lá passaram, desde o primeiro, São Pedro, apenas 78 se tornaram santos.

Hoje, a Igreja Católica transformou a canonização de novos santos numa verdadeira indústria. João Paulo II, o próximo santo, quando Papa, canonizou 447 pessoas. Todos os outros 263 papas, somados, fizeram 302 canonizações.

Quem sabe um dia o Padre Marcial Maciel, o fundador dos Legionários de Cristo, por seus bons serviços prestados à Igreja Católica, não seja declarado santo também.

O Papa João Paulo II e seu melhor amigo, o Padre Marcial Maciel





*Marino Boeira é professor universitário.

Fonte: Sul21


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