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terça-feira, 17 de setembro de 2013

Acabou o flerte entre Obama e Dilma?






Por Dario Pignotti, no sítio Carta Maior


Acabou o flerte de Obama e Dilma: os jornais deste domingo confirmam aquilo que se escutou durante toda a semana, nos bastidores de Brasília, sobre uma possível suspensão da viagem à Washington, a visita de Estado que, com pompa e tapete vermelho, havia sido publicitada pela imprensa dominante como uma boda política entre o Brasil e os Estados Unidos, depois de anos de divórcio engendrado pela parceria Lula-Amorim.

E para espanto do establishment midiático Lula voltou a meter o rabo, como o diabo, na política externa, já que o ex-presidente teria opinado, em reunião com Dilma na sexta-feira, que é preciso deixar sem efeito a reunião na Casa Branca.

“Everything”. Com o dedo indicador para o alto, no dia 5 de setembro Dilma Rousseff demandou que os Estados Unidos revelem as informações roubadas por seus agentes. “Quero saber tudo o que tem em seu poder, a palavra tudo é muito sintética, abarca tudo, tudinho, em inglês se diz everything... não podemos ficar sabendo dessas coisas (espionagem) pelos jornais.”

Foi uma declaração da qual não há muitos antecedentes, porque Dilma é – ou era – desafeta à diplomacia presidencial e prefere – ou preferia – confiar essa responsabilidade aos profissionais do Palácio Itamaraty.

Os documentos vazados pelo ex-consultor da Agência Nacional de Segurança (NSA), Edward Snowden, informaram sobre a invasão de milhões de e-mails e telefonemas brasileiros, entre estes, várias mensagens do gabinete da presidenta e da petrolífera Petrobras.

Depois de seus ditos, no dia 5 de setembro, diante de repórteres de vários países em São Petersburgo, durante a Cúpula do Grupo dos 20, na semana passada, Rousseff retomou suas investidas contra Barack Obama pelas atividades ilegais da NSA. Algo está mudando na até agora áspera diplomacia dilmista. Em dois anos e meio de governo de Rousseff, a política externa teve como característica um certo imobilismo agravado pela falta de timing em relação à região, algo que se fez evidente na resposta tardia frente ao golpe que destituiu o ex-presidente paraguaio Fernando Lugo em 2012 e a desorientação na Bolívia observada nas últimas semanas, onde os diplomatas lotados em La Paz se prestaram a uma manobra da oposição direitista, ultra-golpista, concedendo asilo ao fabulador Roger Pinto e, por elevação, semeando a discórdia entre Dilma e Evo Morales.

O autor desse legado diplomático foi Antonio Patriota, chanceler entre janeiro de 2011 e agosto passado, aquele que não perdia ocasião para citar a amizade que o unia com Hillary Clinton e que dedicou sua gestão a eliminar as diferenças com os Estados Unidos para tornar possível a visita de Estado de Dilma à Washington, prevista para o dia 23 de outubro. A fim de recuperar a “credibilidade” da Casa Branca, Patriota cultivou um perfil profissional asséptico, distante de seu antecessor Celso Amorim, chanceler de Lula da Silva entre 2003 e 2010, que foi tipificado como um “anti-norteamericano” empedernido nas informações geradas pela US-Embassy de Brasília obtidas por Wikileaks.

Antes de perder o cargo, Patriota, talvez sobre atuando sua docilidade com Washington, declarou que jamais concederia asilo a Edward Snowden, comentário que, segundo transcendeu aqui, em Brasília, desgostou Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores, com alguns de seus legisladores impulsionando, na semana passada, o envio de uma missão à Rússia para saber até onde chegou o saque cibernético da NSA. Entre a segunda e a sexta-feira passadas, Rousseff pronunciou discursos, assinou notas oficiais e falou com jornalistas sobre o acionar dos serviços norte-americanos na Petrobras e a possibilidade de que isso a leve a desistir de sua visita de Estado à Washington.

Para a presidenta, o eventual furto de dados da petrolífera que fatura aproximadamente 160 bilhões de dólares ao ano é um fato que reveste uma simbologia particular, uma vez que ela, sendo ministra de Lula, desenhou o novo modelo de exploração de hidrocarbonetos que, de fato, significou uma espécie de reestatização da empresa. Se for confirmado que a NSA, ao invadir os arquivos da Petrobras, também se apoderou de informações secretas sobre o mega campo petrolífero Libra, com cerca de 15 bilhões de barris em águas ultra profundas, isso poderia redundar em benefício das empresas norte-americanas que se apresentarem à concorrência pública internacional para sua exploração, prevista para 21 de outubro.

Diante dessa suspeita, o senador Pedro Simon recomendou, em diálogo com a Carta Maior, que o leilão seja deixado sem efeito até verificarem se as empresas estadunidenses foram favorecidas com informação roubada pela NSA, opinião em parte compartilhada pelo especialista Sergio Gabrielli, dirigente do Partido dos Trabalhadores, e ex-presidente de Petrobras. Depois dos comentários de Simon, Gabrielli e outros legisladores, que diretamente propuseram proibir às companhias norte-americanas de extrair petróleo no Brasil, o governo, através de seu principal ministro político, Aloízio Mercadante, descartou postergar o crucial chamado à apresentação de propostas para explorar esses recursos no litoral atlântico descobertos pela Petrobras.

Esse anúncio do ministro demonstrou que Dilma pretende impedir que a crise com Washington ultrapasse os limites do administrável e afete sua política de concessão de grandes áreas energéticas dentro de um regime misto, que estabelece a participação obrigatória da Petrobras.

Ou seja: a tensão entre Brasília e Washington já contaminou a política interna, e a ninguém escapa que o sortilégio entre Rousseff e Obama é pouco menos que coisa do passado, e o novo tom da relação estará marcado pela desconfiança.

Um sinal dos novos tempos é que o novo chanceler Luiz Alberto Figueiredo foi enviado a Washington, na quarta-feira, para pedir explicações à assessora de segurança de Obama, Susan Rice que, ao que parece, não disse nada de novo, agravando o descontentamento de Brasília.

Paralelamente o ex-chanceler e atual ministro de Defesa Celso Amorim, sempre indigesto para o Departamento de Estado, reapareceu em cena durante a crise com seu projeto de articular os países da região na luta contra a espionagem cibernética, tema do qual tratou na quinta-feira passada em Buenos Aires junto à presidenta Cristina Fernández de Kirchner.

Detalhe: ao envolver Amorim no atrito com a Casa Branca, Rousseff está dando ao tema o caráter de uma crise de segurança de novo tipo, ou seja, já não só alarme ao Planalto para a eventual presença da IV Frota no litoral atlântico (causante de outra crise com Washington em 2008), os bombardeios cibernéticos também são uma ameaça à segurança nacional. 

E, no plano da Defesa clássica, a violação da soberania nacional cibernética perpetrada pela NSA, também terá consequências, já que agora parece totalmente fora de lugar a possibilidade de comprar para a Força Aérea os caça bombardeiros Super Hornet, da Boeing, uma operação à qual dedicou vários momentos de Lobby o ex-embaixador Thomas Shannon, que teve que abandonar o país depois de ser chamado duas vezes a dar explicações pelas interferências da NSA.

É verdade que a saída de Shannon estava prevista desde antes do escândalo, mas sua saída de Brasília foi pouco menos que vergonhosa, e nada indica que o diálogo melhorará substancialmente com a chegada, prevista para esta semana, da embaixadora Liliana Ayalde que tem em sua folha de serviços ter se desempenhado no Paraguai quando os EUA apoiaram sem esconder, o golpe de Estado palaciano contra Lugo. 

Todo o anterior permite abonar a hipótese de que o escândalo de espionagem, ao tocar um tema tão delicado como o petróleo, representaria um marco na política externa que, de agora em diante, já não concederá o mesmo peso à aproximação com Washington, mesmo que a presidenta finalmente aceite o convite de Obama e realize a visita de Estado. Visita que, segundo a Folha deste domingo, parece ter sido arquivada.



* Tradução de Liborio Júnior

Fonte: Altamiro Borges

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